sábado, 31 de outubro de 2009

Monstro


Não se há o que mudar. A mão pesada do Acaso, aquele que traiçoeiramente chamam de Destino, é grave ao mover seus peões. Não se saceia a fome do Caos. Ele é como um grande Krónos, devorador de suas próprias crias.
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Tem-se puramente a destruição. Uma besta das profundezas, um grande Deus que clama por sacrifício, uma bela donzela que tira da coleira seus mais instintivos desejos. Há algo de belo na natural ambiguidade do cessar-de-ser; Finda-se. Cria-se. Muda-se não. Um único caminho, feito um torque que encontra suas pontas - ao Caos, onipotente, cabe apenas torcer suas voltas. Um único caminho.
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Lanço-me ao abraço. Que se imole, afinal, cada universo da minha alma. Meu corpo nada sabe sobre tal. A chama aponta um caminho, abre minhas vistas. No ocaso encaro a luz, torno-me novamente. Pairo no altar do Holocausto, numa apoteóse. Aos teus olhos, uma apocoloquintóse.
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Vejo onde não se vê. Sinto onde não se sente. Sei do que não se sabe. Ignoro o que não se deve ignorar. Odeio o que deveria se amar. Não há uma inversão, apenas a consumação.
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No minguar das chamas, vive-se no tal eterno Crepúsculo. Não busque significados, os olhos deste Deus fixaram-se no vazio. Diminui-se. Diminui-se. Que se quebrem os invólucros e os ídolos. Estamos num eterno final do dia.
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Sou um iconoclásta.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mudança



Ouve-se o eco. Sem fim. São passos solitários, respiração pesada, lembrança e arrependimento. Não é como se algo tivesse mudado; não é como se eu tivesse encontrado algo novo. A chama sempre é fugaz, e nada é diferente, afinal. O sol, por vezes majestoso, não demora por clamar um eclipse. E, de novo e de novo, frio e silêncio.

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Talvez seja a inocência. Com plena confiança, diria que não a tenho, apenas para notar, num momento eterno, que ela transborda pela alma. Inocência. Inocência incoerente. Traiçoeira, artíficie de falsa esperança, cultivada mesmo em solo infértil.

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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Vazio. Sozinho.
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Vazio.

domingo, 2 de novembro de 2008

Mundo


A rotina era monocromática, infectada por fumaça e pouco caso. Os corredores eram (des)coloridos de antipáticos tons de cinza; sob um teto raivoso, repleto de tormenta e decadência, pairava uma onipresente sombra de consciência, desvelando o caos e sussurrando, aos berros, que nada daquilo fazia sentido, era a mais fria e simples seqüencia de acasos despropositados.
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- Não há ninguém aqui para você. Teus passos seguem as ondas do não-existe.

.Prédios escuros cresciam infinitos, e escondiam seus cumes sob colossais núvens negras. Em cada arranha-céu, um milhão de janelas cegas, com espectros contemplando suas próprias misérias, com olhos vazios e pensamentos egoístas. Tudo aquilo não passava de uma edificação amoral, que mentia sobre sua própria existência e que, em incoerência, acreditava em si mesma. Retumbava nas calçadas sujas o eco do escárnio gritado pelos deuses e pelos monstros. Ruas tortuosas, cruzadas à batuta do acaso;
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- Não há significado. Mentira. Não há significado. Mentira. Não há nada. Nada. Nada.
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Código. Ética. Moral. Todo tipo de sujeira e mentira corria por valas abertas, fedendo o odor amargo da conveniência e do descaso. Falta cor, falta coragem, falta gente. Quem deixou as coisas neste estado? Quem foi a criança que caiu no próprio conto?
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Fadiga.
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Fadiga.
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Que lugar é este, afinal? Tudo convergia num mesmo centro, um buraco esquecido enfeitado com uma estátua suja e quebrada, sem braços e sem cabeça. Monumento de memória inexistente.
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Inexistente.
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Distopia solitária e pessoal. Não é que falta vontade, apenas sobra apatia.


sábado, 1 de novembro de 2008

Consolação da Filosofia

"A Fortuna é fiel em sua inconstância".

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Boécio. De Consolatione Philosophiae.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

terra

Terra infértil.

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Ingrata.

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Nada me resta deste chão. Nada tenho.

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Foi com o vento.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Buraco

Há um buraco negro. Ele nasceu dentro do meu peito, um aborto do meu esforço. Ele é voraz, incansável, implacável. Nada lhe escapa: todos os sentimentos, as cores, os gostos, os cheiros, tudo torna-se alimento indistinto, devorável, descartável. Sua presença nefasta eclipsa minha alma, pequeno pavio de amor e impulso, e torna anêmico meu espírito silencioso. Vórtice sulfúrico, vau de dessassossego. Irradia sua fome infinita pelos meus mares, transforma minha mente num Odisseu cego, num Sansão tonsurado.

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Nada me sobra, se a tudo ele devora. Meus amigos, meus amores, meus tesouros. Tudo deve ser destruido em seu centro assassíno. Fera indomável, ruge letargia, exala apatia; ordena, feito um déspota fervoroso, que o mundo curve-se diante de sua majestade, negra e infinita, faminta e cruel.

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Minha própria sombra canina. Minha fera particular. Meu Hyde de estimação. Minha sina.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Scelesta tu, scelestus ego.

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Há um gosto amargo em minha boca. Um cheiro ransoso em minhas roupas. Uma mancha de culpa em minhas mãos. Há algo de podre em meu reino. Há vergonha em meus olhos, angústia no meu espírito. Há peso em minhas costas, há correntes em minhas pernas, há algemas em minhas mãos.

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Amplexa me, flecta animi mei.

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Não há Londres, não há Dublin. Não há jóia em meu tesouro, não há ética em meu sopro, não há luz neste horizonte. Não há espaço. Não há respiração. Não há espasmo. Não há suor. Não há Rainha. Não há Rei. Não há herói. Não há dragão. Não há magia. Não há. Não é.

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uides me? uocas me?

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Há esta estranha sombra colada em minha imagem. Ela dorme, mas acorda faminta. Devora tudo aquilo que se coloca em frente. Deixa-me vazio. Ai de mim que não acompanho vossa fome! Oxalá meu fogo espantasse vosso glutão apetite.

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Noli tangere animae meae.

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Eu não quero. Não vou. Não posso. Não consigo. Quo uadis, miserum? Deixa-me! Deixa-me! Ó som insuportável, ó momento dantesco. Fecha os olhos! Fecha os olhos! Acorda, Octaedro, e deixa de bobeira. Por que olhas apenas para um lado? Tens mil. Não tens nenhum. Abre os olhos! Vive, seu nécio! Vive! Canta! Grita! Chora, pequeno monarca, chora os pedaços de tua coroa. Semeia, árvore estéril, os cacos do que poderia ter sido mas não É. Engole tua culpa, Oitavo filho, e ria da Fortuna. Ela não fez nada, meu caro. Não fez nada: HOC OPVS TVA EST! Tua, e somente tua. Fez errado, coxo. Fez errado. Lupus sum, ego ipse lupus meus sum.

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Aπάθεια? μελαγχολία?

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Aí está o que pediu, Otávio.

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E agora?

tibi est.

"De que adianta um rei..."

sábado, 11 de outubro de 2008

Caos

No início era o caos. E assim o foi por toda eternidade.