quarta-feira, 29 de outubro de 2008

terra

Terra infértil.

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Ingrata.

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Nada me resta deste chão. Nada tenho.

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Foi com o vento.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Buraco

Há um buraco negro. Ele nasceu dentro do meu peito, um aborto do meu esforço. Ele é voraz, incansável, implacável. Nada lhe escapa: todos os sentimentos, as cores, os gostos, os cheiros, tudo torna-se alimento indistinto, devorável, descartável. Sua presença nefasta eclipsa minha alma, pequeno pavio de amor e impulso, e torna anêmico meu espírito silencioso. Vórtice sulfúrico, vau de dessassossego. Irradia sua fome infinita pelos meus mares, transforma minha mente num Odisseu cego, num Sansão tonsurado.

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Nada me sobra, se a tudo ele devora. Meus amigos, meus amores, meus tesouros. Tudo deve ser destruido em seu centro assassíno. Fera indomável, ruge letargia, exala apatia; ordena, feito um déspota fervoroso, que o mundo curve-se diante de sua majestade, negra e infinita, faminta e cruel.

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Minha própria sombra canina. Minha fera particular. Meu Hyde de estimação. Minha sina.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Scelesta tu, scelestus ego.

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Há um gosto amargo em minha boca. Um cheiro ransoso em minhas roupas. Uma mancha de culpa em minhas mãos. Há algo de podre em meu reino. Há vergonha em meus olhos, angústia no meu espírito. Há peso em minhas costas, há correntes em minhas pernas, há algemas em minhas mãos.

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Amplexa me, flecta animi mei.

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Não há Londres, não há Dublin. Não há jóia em meu tesouro, não há ética em meu sopro, não há luz neste horizonte. Não há espaço. Não há respiração. Não há espasmo. Não há suor. Não há Rainha. Não há Rei. Não há herói. Não há dragão. Não há magia. Não há. Não é.

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uides me? uocas me?

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Há esta estranha sombra colada em minha imagem. Ela dorme, mas acorda faminta. Devora tudo aquilo que se coloca em frente. Deixa-me vazio. Ai de mim que não acompanho vossa fome! Oxalá meu fogo espantasse vosso glutão apetite.

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Noli tangere animae meae.

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Eu não quero. Não vou. Não posso. Não consigo. Quo uadis, miserum? Deixa-me! Deixa-me! Ó som insuportável, ó momento dantesco. Fecha os olhos! Fecha os olhos! Acorda, Octaedro, e deixa de bobeira. Por que olhas apenas para um lado? Tens mil. Não tens nenhum. Abre os olhos! Vive, seu nécio! Vive! Canta! Grita! Chora, pequeno monarca, chora os pedaços de tua coroa. Semeia, árvore estéril, os cacos do que poderia ter sido mas não É. Engole tua culpa, Oitavo filho, e ria da Fortuna. Ela não fez nada, meu caro. Não fez nada: HOC OPVS TVA EST! Tua, e somente tua. Fez errado, coxo. Fez errado. Lupus sum, ego ipse lupus meus sum.

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Aπάθεια? μελαγχολία?

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Aí está o que pediu, Otávio.

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E agora?

tibi est.

"De que adianta um rei..."

sábado, 11 de outubro de 2008

Caos

No início era o caos. E assim o foi por toda eternidade.

domingo, 5 de outubro de 2008

Mar


Borrifa água salgada, enquanto a cabeça, erguida diante do vento e da tempestade, contempla o infinito negro e azul. Gelo e solidão. O grito das sirenes, em sua rocha distante, é como o sino da Fortuna: flui sem fim, sem rumo, na imensidão fria. Flutuar na superfície deste mar bravio não é diferente do que padecer em sua profundeza. Uma sepultura aberta, um túmulo que não conhece som algum. Silêncio. Tormenta. O trovão é mudo. Céu das areias, limite do mundo, fronteira da eternidade. Alerta, as mãos no leme e os olhos no horizonte. Além da pedra de Cila, além da Ultima Thüle, onde pilares maiores do que o sonho sustentam o firmamento; onde as estrelas colidem, onde os astros perseguem o negrume invisível; onde termina o universo, onde despenca a derradeira cascata do mundo; onde a vida condensa-se numa gota d'água. Lá navega o marinheiro, solitário. No casco, um rosto gasto, seios de uma ninfa desconhecida. O nome de sua nave, já esquecido. Estrela vespertina. Para sempre solitário, navega o marinheiro; para sempre, navega o marinheiro solitário.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

novamente


Passos claudicantes;
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Manca!
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Manca!
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Manca!
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Manca, Rei torto, e ressoa teu caminhar como o agouro de uma negra Estinfale. Suspira, Cavaleiro coxo, e exala teu sulfor como uma górgona petrificante. Teu tolo toque, ó Midas, transforma em pó o que te é caro. Tua alma gélida, besta inumana, não passa de cárcere próprio, de intransponível muralha entre teus queridos. De teu destino, grande infeliz, fazem troça as nornas: há um nó em teu fio!
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Dois!
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Três!
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Cortem-lhe a cabeça! - de novo, viúvo proscrito? Apaixona-te, acaso, pela sombra e pelo vento? De que é que fazes teu coração, nobre esfarrapado? De fogo, diz ao incauto, mas bem sabe que é de gelo. Incapaz! Pra que carregar mais este suplício, filho de Masoch? Parece-te tão belo e forte deixar as coisas pelo caminho? Enobrece este fiapo de espírito tentar ser a Bastilha, prestes a ser posta ao chão? É lá que deve morar, ó decomposto, até que se torne um agradável estúpido.
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Auto-engano. Falsa imagem. Ídolo. Por que adoras este bezerro de ouro? Encanta-te sempre pela miragem, beduíno, e torna-a uma verdade mentirosa, um espectro de possibilidades inalcançaveis: um ser em potencial, nunca um ente, sempre uma promessa que, sabe-se de antemão, jamais se cumprirá. Tens medo, Pigmalião? Constrói tua ruína, tua mentira, teu próprio auto-engano para que, assim, a desilusão pareça certa e teu sofrimento legitimo. De que adianta um Rei que inventa Rainhas?
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De que adianta um Rei que inventa a própria Coroa?