segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Chão

Eu estarei aqui, quando nada mais restar além do pó. Eu estarei aqui, quando os irmãos matarem seus irmãos. Eu estarei aqui, quando o choro das mulheres sobrepujar o grito dos guerreiros. Eu não esmoecerei quando o ar sulfúrico for insuportável. Eu não desistirei quando todos virarem os olhos. Eu permanecerei, quando lhe for desagradável pensar minha presença.


Eu estarei aqui, quando tua lama inundar os pilares da Terra. Eu estarei aqui, quando houver medo de encarar meus olhos. Eu estarei aqui, quando recear ouvir minhas palavras. Eu estarei aqui, quando meus versos forem pesados para tuas costas delicadas. Eu permanecerei, após minha peste corroer tua alma. Eu resistirei, enquanto meu veneno contamina tua poesia. Eu resistirei, quando até mesmo tua sombra não possuir coragem para permanecer ao meu lado. Eu não desistirei, quando o vento deixar de sussurrar o meu nome. Eu não desistirei, quando minhas fontes secarem de poesia. Eu não desistirei, quando toda minha voz parecer uma mentira. Eu não desistirei.
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Eu estarei aqui.
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Eu permanecerei.
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Enraizado.
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Uma árvore estéril.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

triste



O sofredor é apenas um egoísta. Um artista malfadado, um escultor roto que vê em si mesmo sua obra de arte. A estética que apela ao corpo, o sublime que acalenta a alma confunde-se com o sentimento; mescla-se com o elemento do espírito - alimenta-se, o pobre diabo, de exterior e interior. Alegria, tristeza... estados etéreos e voláteis de uma arte que não se vê; se sente. Um jubiloso ignorante apenas deseja saborear as migalhas de uma obra invisível. Um tolo feliz quer somente apreciar o opus que se apresenta ao espírito: quer receber, quer derramar seu prazer em alegria ao que lhe dá o mundo. Não é assim para o que sofre. Este é um invejoso que deseja tudo para si. Deseja ser o espectador e se refastelar em sua amargura; deseja ser o artista, aquele que, com sensibilidade sem igual, pinta o mais melancólico dos quadros; deseja ser ainda, esse incansável egoísta, a própria arte - acredita que suas lágrimas são o mais puro estado da tristeza, e que mais nada resta em seu corpo cansado além do rancor e da desesperança. Acredita, o infeliz, estar consumido por completo. No mundo, por certo, não deve haver alguém mais inundado de dor e sofrimento.
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Tristeza alimenta-se de tristeza. Lágrimas movem-se pelo clamor da auto-piedade. Soluço tropeça no orgulho da mediocridade. Sentimento inferior, queima e queima. A alma é consumida, resta um corpo oco, sem vida, sem motivação, mergulhado no arquetípico sofrimento do incompreendido.
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Egoísta. Arte. Artista.