sábado, 17 de fevereiro de 2007

Doença


De todas as formas de sofrimento, sempre escolho a pior. Pareço ter uma mórbida atração pelo amor, este sim, o mais traiçoeiro dos sentimentos, a mais sórdida das armadilhas reservadas ao homem. Pra que esses grilhões na alma? Pra que ouvir esse sussuro vil? Ora, como é simples andar em direção à própria ruína; basta deixar os olhos turvos de beleza, a boca seca por poesia e o coração sedento por afeto.
... Veja, não basta todo o tormento, ainda balbucio palavras como um tolo embriagado, sem nenhum sentido ou forma, sem rigor ou brilho. Talvez fosse mais fácil se eu me entregasse ao peso da existência, aceitasse a inaptidão e a revolta de bom grado, assim como aceito essa patética condição de amor, como se fosse eu, justo eu, um personagem preso dentro do mais belo e mais trágico romance.
... Nem da inspiração posso me beneficiar. A náusea é inevitável; não consigo recitar versos. Sinto uma ânsia subir pelo estômago, depois pela garganta. É o vomito. Um vomito de palavras e impropérios. Desvaneio consentido.
Várias formas, nenhum conteúdo. Eis ai, meus caros, a vida...

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Árvore Estéril


Eu não estou aqui para limpar as lágrimas da tua face, nem para acalentar tuas noites frias. Eu não estou aqui para te ouvir lamentar, nem para segurar a tua mão quando o abismo negro estiver sob teus pés.
Eu não vim purificar esta ar pútrido, nem trazer brilho para esse céu, fumagante e cinzento.
Eu não vou embelezar o teu jardim. Não vou trazer cor pra tua vida, nem um sorrio ao teu rosto.
Eu sou apenas mais uma sombra no caminho. E brado com orgulho os malefícios da minha existência. Eu não sou o receptáculo da bondade. Eu sou a presença que enfastia, o peso que traz remorso, a ferida que não cicatriza.
Não passo da mancha que corrói, o Arauto do Desassossego. O fruto intoxicado, o filho da Árvore estéril.
Minha alma é o flagelo do romance, o açoite de mil carrascos. Hei de queimar tua felicidade como uma labareda consumindo folhas secas. Cuidado com o meu toque gangrenoso, com o meu olhar envenenado. Fica longe da minha lingua, foge do meu afago, pois ele não passa de uma facada furtiva.
Se a tua estrada está arruinada, e se teu mundo mais parece um martírio dantesco, aventura-te, então, nas minhas ondas e nas minhas marés. Se não tens medo, encara de rosto erguido meu afeto cancerígeno. Se tua estrela traidora guiou-te até mim, então suporta meu veneno; ele é doce e inebriente. O efeito é rápido, e não há saída.
Abraça essa bomba relógio. Entrega tua alma. Eis aqui um amor que há de te matar...