terça-feira, 22 de maio de 2007

Ícaro



Em nome de Minerva! Por Zeus e por Hecate! Lanço maldições aos céus pelo dia em que cai em sua doce armadilha. Desgraço minhas palavras ditas com amor suave! Tal qual Ícaro, encantei-me com o brilho amoroso do sol, e não pude deixar de pensar em sua beleza descomunal, em como sua coroa era sublime, convidando-me para banquetear-me nesse festim de prazeres. Esqueci-me, e por Apolo eu renego este dia, de seu calor terrível, da destruição iminente que me esperava. Ignorei, em nome das Musas!, que minhas asas eram de cera. Por certo, o único destino a mim reservado, por mal fadada empreitada, era a queda, humilhante. Abraço, contra minha própria vontade, meu vôo coxo, minhas asas quebradas. Que me resta, senão, contemplar esse abismo, longe de Prometeus e do fogo dos homens? É dada a sentença: o calor desse sentimento, de mim deve ser afastado. Que o corvo me cause injurias noite após noite... Voar, já não posso mais...

domingo, 20 de maio de 2007

Exercício

Sem cor, sem som, sem vida, sem brilho, sem altivez, sem peso, sem tranquilidade, sem personalidade, sem sabor, sem hamornia. Hecatombe, Hecatombe, Hecatombe. Viva nosso sacrifício. Sem cor, sem som, sem vida, sem brilho, sem altivez, sem peso, sem tranquilidade, sem personalidade, sem sabor, sem harmonia. Caos. Caos. Caos. Dionísio. Sem cor, sem som, sem vida, sem brilho, sem altivez, sem peso, sem tranqulidade, sem personalidade, sem sabor, sem hamornia. Fumaça cinza, cheiro artificial. Sem cor, sem som, sem vida. Sem cor. Sem som. Sem vida. Caos. Hecatombe. Sacrifício.

desabafo

Se foste para mim a mais bela dama, agora sepultas em tua face o gosto amargo da infâmia. Se, por um dia, fizeste brilhar em meus olhos o reflexo da alegria, hoje empalidece, sem júbilo, a lembrança de tua companhia. Minha mãos, manchadas por segurar tua figura, lavam-se, com vigor, em escuros poços de amargura. O fardo de tamanho arrependimento jaz como uma pedra, carrega o peso de tempestuosos raios dos céus do firmamento. Cada momento que contemplei teu semblante, cada segundo do teu lado, foi como a cicuta, veneno lento que tomei de bom grado.
[...]

sexta-feira, 18 de maio de 2007

confusão


Pra que tentar me desfazer dessa bruma traiçoeira que cega meus olhos? Nem pelo toque de Minerva, nem pelos conselhos de Delfos eu poderia ser demovido desse labirínto. A chama invisível jamais cessa de fervilhar minhas dúvidas. Sempre que fecho os olhos, encontro-me num monumento de Dédalo, perdido dos fios de lã. E se os abro, a torrente de lembranças afoga a tênue linha de sanidade que retumba dentro de minha cabeça. Caio voluntáriamente na armadilha dos joguetes sórdidos, lamentado meu infortúnio sob uma máscara de hipocrisia. Em verdade vos digo, alimento-me com voracidade desse desespero agridoce. Fujo aos olhares e mato minha sede por inconstância. [...]

domingo, 13 de maio de 2007

Atlas

Na pétrea estátua eu sou representado. Com a frieza de uma imagem boreal, livre de toda a infecção calorosa da loucura. Acima de Midas, acima de Herodes e dos filósofos; acima de Zéfiro e de Vênus, eu me prostro nos cumes Olímpicos da austeridade, contemplando, sem emoção, as rajadas elétricas que castigam a felicidade mundana. Com o olhar gelado dos altos lagos, e com o toque seco da solidão amargurada, eu me cerco por cravos pontudos, de aspecto ameaçador. Não me encaixo na descrição de Erasmo, fujo à ilha de Morus. Minha Cidade do Sol é inabitada. Minhas Repúblicas caíram sob a marcha firme do ressentimento. E eu continuo perambulando por corredores longos e terríveis, ouvindo somente o eco dos meus passos, escapando a todo o contato, evitando minha própria sombra. Fujo de Cocanha. Tanta abundancia me incomoda. Esse carinho não me pertence. O afeto escorre como areia sob minhas mãos. Minha morada não possui espaço para mais de uma alma. Aqui, meus filhos, o som é silencioso. Tal qual Atlas, este é o fardo que me voluntariei a carregar.

domingo, 6 de maio de 2007

Pergunta

E essa núvem cinza no meu horizonte? Que faz essa carregada tempestade eclipsando o azul plácido dos meus dias? E essa sombra terrível? Que faz essa mancha escura perseguindo meus calcanhares despreocupados? E essa fera sedenta? Que faz essa besta monstruosa espreitando meu sossego irreverente? E esse pensamento impuro? Que faz essa imaginação triste atormentando minha contente reflexão? Por que essa dicotomia inconstante? Caminho entre os extremos, num turbilhão de sensações, procurando por migalhas e palavras que possam explicar uma empreitada fadada ao fracasso.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Prece


Eu olho para o firmamento e rogo. Rogo para que não me faltem forças quando o peso do mundo parecer insustentável. Eu vejo as núvens caminhando, sem pressa e sem preocupação, e desejo ser como elas; desejo ter sabedoria o suficiente para entender que a felicidade não depende de páginas e páginas empoeiradas. Eu olho para as pedras, firmes e inabaláveis, e peço o mesmo. Peço que meu amor cortes não seja balançado pelas areias da ampulheta. Peço a paciência necessária para que eu aguarde, plácido, teus olhos encontrarem os meus, e que eu possa banhar-me na tua sagacidade e na tua fome de aprender. Observo os pássaros, voando desavergonhados, e clamo por ter a inocência destes pequenos animais. Clamo pela inocência, para que eu possa sempre compreender a honestidade na palavra de uma criança; para compreender o afeto da mão amiga; para compreender que nós ainda somos bons. Sinto a grama suave, bailando de acordo com a melodia da natureza, e anseio por ser como ela. Anseio para que eu saiba dançar o fluxo da vida, para que o Oboé da Providência não me soe estranho, e que seja sempre graciosa, mesmo a mair terrível das canções. E que belo presente me foi dado pelas tecelãs do destino! Benditas as anciãs que me permitiram admirar o céu, as núves, as pedras, os passaros, a grama e, num reflexo de loucura e inconsequência, fazer parte dessa bela pintura.