segunda-feira, 30 de abril de 2007

sangue

Um. E Mais um. E Mais um. E Mais um... eles não param, em nenhum momento. No compasso dos segundos, como num relógio sinistro, seus corpos atingem o chão com um baque surdo. Trovões que viajam na velocidade da morte. Anjos negros que trazem o desafortúnio. Dançamos todos numa roda que não mais nivela, mas ceifa sem piedade. Bárbaros. Fantasmas grotescos. Sujam as ruas com a mancha pútrida da criança que não cresceu, da moça que não amou, da vida que não viveu. Sujam as calçadas com a marca fétida da vergonha. Da nossa vergonha. Carreguemos nas costas o peso da violência! Nossas mãos estão sujas com o sangue da inocência perdida. E não temos redenção. Não depois que a bala já foi disparada...

Estrela


Ah, como são curiosos os caminhos errantes que toma nossa vida! São novos ventos, arautos de zéfiro que, repentinos, entoam a beleza e o vigor. Não me peçam explicações. O escopo, aqui, não pertence a qualquer palavra. Não permito que minha inaptidão poética macule, justamente, a bela poesia que se estende, majestosa, sob meus olhos. De onde veio, o que pretende? Já não me interessa. Admirar tamanha preciosidade é o suficiente para saciar meu desejo literário. É tanta vida para minha inconstante alma, que mal sei como me portar. Resta-me construir meu palácio platônico, um mausoléu em honra de tamanha jóia. Edificações de sonhos e desejos. Um sopro, uma folha, uma esperança mal encaixada, e tudo volta ao solo estéril. Mas não me assusto pelos malefícios e pela incerteza. A surpresa pelo belo rosto, a gratidão por tão inesperado sentimento, a chance de contemplar tão meteórica estrela é suficiente para que eu siga, com um sorriso estampado na face, pelas estradas áridas da tão fria e triste realidade.

domingo, 22 de abril de 2007

Sombra


Não dura muito tempo. Nunca. De quando em quando, a sombra - minha sombra -, fria e taciturna, derrama seu vinho amargo, lembrando-me da intragável necessidade de carregar palavras, de carregar responsabilidades e sentimentos. Com um baque, ela me recorda da insanidade, não a bela e sábia, mas a inconsequente e infantil, aquela que tanto assola meus (des)afetos. E eu continuo perseguido pela tristeza de minha postura. Pés no chão e cabeça nas nuvéns. És fome literária que tens? Ora, não te engana, criança. Queres é um belo troféu. Deixa que o teu menestrel canta nos momentos que lhe são apropriados. Nos outros, beija a tua marionete. Eu prossigo. Sem muitas opções, prossigo; com esse gosto ruim na boca. Eu e minha sombra, eu e as crianças. Eu, e as palavras. Fáceis de serem ditas. Sempre imensuráveis. Sempre inconsequentes. Sempre palavras.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Música


Sob o som do alaúde, recitarei a humilde melodia que rodopia em meus lábios. Ao som da gaita, farei dançar os belos feitos passados, embalados por cores brilhantes que balançam às ordens do fogo crepitante. Palavras guiadas pelo cheiro doce de fantasia vão, inebrientes, compondo a mais bela canção. Repletas de Pôr do Sol e Estrelas Cadentes, recheadas de orvalho e Sopros da Manhã, sigam, uma a uma, as languidas notas, como serpentes encantadas pela hipnose do flautista. Com o som encantado da harpa, esquece teus problemas e tuas dores. Hoje, a noite é de dança, não de prantos. Guarda-os para a manhã seguinte. Nada de realidade por hora. Sonhos de diamante, suspiros de safira polida, olhares de esmeralda, paixões de perfeito rubi; tudo o que precisa, agora, está aqui. Fecha os olhos e estende tua mão. Toca, com toda a tua imaginação, esse presente que nos foi dado. Ouve o alaúde cantar, ouve a harpa, ouve a gaita! Viaja com eles. Alguns minutos e toda a eternidade. Ouça o alaúde. É para ti essa canção.

terça-feira, 17 de abril de 2007

marcha


Soe o oboé! Que as flâmulas se agitem com a minha marcha. Que todos vejam meu triunfo e minha perdição. Que as rosas formem meu tapete. Não deixo espaço para covardes em minhas linhas. Vislumbro apenas o brilho heróico da armadura e a sede ameaçadora da espada. Chorem os fracos. Clamem as cidades! É chegada a hora em que todas cairão sob meus pés. Nada restará no caminho da minha carga faminta. De joelhos, lamentem a decisão que não volta, roguem pela palavra dita. Meu jugo implacável não deixará luga para a misericórdia.

domingo, 15 de abril de 2007

Rendição

Com sagacidade, escolhe bem tuas palavras, pois não recolherás os pedaços quebrados. Vomita tua auto-piedade, se isso te fez bem. Cospe tua complacência e engana-te com teus espelhos de vaidade. Sê essa criança cega, que não olha bem onde pisa, não sente a mão que toca, não liga a boca que beija. Vive teus sonhos, se deles constrói teus fortes de vento. Não é mais o tempo de acompanhar-te pelo lamacento caos de paixão e luxúria. Já não conto as cicatrizes que ostento, como medalhas de uma guerra de sentimentos. Se te apraz, então segue sozinha, pois o desassossego do meu coração é um fardo solitário. Exauriram-me tuas flechas envenenadas e pouco precisas. Não há mais glória nessa peleja. Não há mais brilho na convivência enamorada. Lembrança, aqui, não passa de uma fumaça que sobe, rodopiando. Meu caminho, aqui, é de todo perdido. Meu tempo, as areias já apagaram. Não mais. Não quero.

domingo, 8 de abril de 2007


Fim de domingo. Dia derradeiro. Todo o desespero de uma semana pesada condensado em poucas horas de um único dia. Uma espera agoniada pelo recomeço da rotina. Eu olho pela janela. Prédios e mais prédios, além do meu próprio reflexo. Inúmeros pontos de luz. Quantos mais olham pela janela? Quantos mais pensam na imensidão? Quantos mais indagam quem estará por trás daquele pequeno mundo de luz minguante? Eu olho para o céu. Ele é escuro. Ameaçador. Não tem fim, nem tem esperança. Os prédios seguem imponentes, passando um por cima do outro, todos buscando furar a própria mão de Deus. Eu suspiro, o vidro embaça. Eu rabisco algo, que some rapidamente. Em vão, procuro me ancorar num pequeno porto, me segurar numa ponta de perspectiva, de otimismo. Não agora, não hoje. Amanhã será outro dia. Talvez eu acorde cheio de vigor. Talvez não. Mas não hoje. Hoje não.

sonho

Repouso na esperança, toda noite, quando deito minha cabeça. Embarco num amanhã tranquilo, embalado pela doce melodia do sonho e da noite. Levanto num campo tranquilo, claro, verde, puro. Respiro o ar cristalino e natural. Caminho descalço, sentindo as cócegas da grama úmida. Um sorriso discreto estampado no rosto. Sento sob uma árvore, pisco, e lá se foi o infinito. Ouço o som mudo de minha própria cabeça. O céu azul inunda tudo que toca. Transborda uma intensidade calma. Uma calma intensa. Um caminho sem fim de imaginação e espera. Dura uma eternidade. Um segundo depois. Abro os olhos. Acordo.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Ode


Num arroubo de liberdade, digo-vos, senhores: rompeis com os grilhões que cerram teus punhos. Gritais tuas poesias, para que os quatro cantos possam ouvir. Que o cárcere da vossa arte não mais pese sobre vossas mãos. Que a melodia saia de vossas bocas e retumbe por corredores infinitos, brilhando de mármore polido, em eternos palácios de beleza e esmero. Rogo-vos, senhores, usais vossas mãos com singularidade, como artíficies que trabalham sobre diamantes impossíveis. Bradais vossas diferenças. Cuidai de vossas humanidades. Admirais o vento que sopra em vossas faces, a grama que toca vossos pés, o som que embala vossos dias. Abraçai, com toda a força, o presente que vos é dado.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Monocromático

É fumaça que contamina o ar que respiro. É neblina que vem sugando minhas energias, numa simbiose macabra. Sigo por uma parede suja. A turba vem passando, ninguém nota. Ninguém toca. O tempo é curto para se olhar nos olhos. O cheiro nauseante de indiferença me causa ânsia. Meu estômago revira com o gosto amargo de solidão. Solidão imposta. Solidão voluntária. Cada gota de chuva carrega o peso de mil pensamentos. Cada segundo se estende por dias, dias eternos, intermináveis. O trovão é abafado pelo som mudo de motores. O clarão do relâmpago sai tímido, atrás do colosso cinzento reinante no céu, sustentando por temíveis torres de concreto frio. Meu limite já foi ultrapassado. Limiar rompido. Sujeira. Desgosto. E eu sigo. Passo atrás de passo. Arrasto-me, apático. Monocromático.


rima


É de mim que fujo, de minha sombra me escondo.
É meu o teatro grotesco. É meu o canto hediondo.
Fecho os olhos. Tento tirar o gosto lúgubre da boca.
Não consigo. Chega de ver a dança dessa silhueta oca!
Ah, pudesse eu não ter seguido o teu caminho.
Não ter sentido a tua pele. Não ter tocado o teu espinho.
Vendei a face para te seguir. Não há volta do caminho enveredado. É de mim que fujo. Aceitei de bom grado teu beijo envenenado.
Prossigo com meu mantra, incansávelmente pronunciado. Refugio-me atrás das palavras. Atrás do sonho interminado.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Escolha


Fosse teu toque uma benção, eu poderia descansar eternamente no sétimo céu. Sem epitáfios esta noite. Repouso com o ressoar dos Querubins. Minha melodia, entoada com condolência e choramingos. Ah, um gole da eternidade! Satisfaço-me com esse vislumbre da centelha divina. Cores que explodem no mais terrível caleidoscópio. Posso me deitar tranquilo essa noite. Eu sou o carrasco. Eu coloquei a corda no meu pescoço. Piso no cadafalço e o regojizo é automático. Hecatombe. Sacrifico-me em ode à mim mesmo. Sete dias na árvore da vida. Sou em quem escolhe o martírio. Pathós. Minha salvação é a minha perdição. Ergo alto o açoite, e o sumo da alegria venenosa enche minha boca. Meu martírio. Eu sigo a Via Crucis...

domingo, 1 de abril de 2007

Esmeraldas


Pedes que eu descreva o indescritível. Que eu imortalize nosso jubilo impossível. Pedes que eu teça com maestria o que não sou capaz. Queres que eu conte uma história? Minha história. Como posso lhe expor esses meus momentos? Palavras inconvenientes que exprimem meus saltos entre o amor e o ódio. Olha no espelho! Lá sou eu, vivendo extremos, em tua função. E quem disse que amar não é sofrer? Paixão e sofrimento. Lá vou eu, carregado no turbilhão. No primeiro minuto, rio. Choro depois. Juro amor em seguida. E jamais canso de contemplar essas esmeraldas. Atraem-me, seja qual for o momento. Seja qual for o sentimento. Jóias inimagináveis. Indispensáveis. Enfeitiçam-me. Jogo-me de corpo e alma. Quero-as pra mim. Já não vivo sem elas. Se vivo em sentimentos, e eles mudam com o vento, nessa exato momento, entrego-os. Coloco-os em tuas mãos. São teus. Só teus. Não tenho forças para resistir. Nem quero. Embala-me, então, nesse canto. Ouço novamente. É teu, também, esse choro silencioso. São tuas essas lágrimas.... Se choro, é porque te quero. Se choro, é porque te perco. Se choro, é porque te tenho. Se choro... se choro, é porque te amo.