domingo, 25 de novembro de 2007

Littera


Não acorrentem o exorcismo de minha mente! Seja na Littera dos mestres retóricos, na Gramma dos gregos de outrora ou na vulgarização dos modernos, permitam que eu expresse meu humilde pedacinho de arte em palavras desconexas e frases sem sentido. Com honestidade, juro solenemente tecer minha seda de literatura e benzê-la com um doce perfume de sentimento. Prometo cultivar este belo cânone de civilização com sangue, lárgrimas, pecados e barbáries. Prometo tornar o belo questionável, e o puro maculado. Intento transformar o legível no incompreensível, e o paradoxo numa melodia de harmonia e (des)razão. Farei com que cada verso seja cantado, e que cada cantar seja silenciado num eco de inocência. Juro que o peso de minhas verdades será tão leve quanto o gracejo da mentira. Que todos os ouvidos sejam agredidos com minhas maldições, e que a surdez seja acariciada com a vibração das minhas odes. Que cada tijolo de minha obra seja uma agulha no espírito dogmático de céticos e cegos, e que meu monumento seja todo dedicado à Musa de minha arte. Valham-me! Pagaria o preço de um mundo de ponta-cabeça, voaria todo o Universo, colheria cada estrela e rezaria para cada Anjo dos Céus se este fosse meu preço. Moveria a montanha para que, com vigor e orgulho, meu grito, meu desabafo, meu desespero, minha poesia fosse, em toda sua honestidade, a mais pura arqueologia de minha alma. Paguei, de bom grado, o alto preço de minha ignorância...

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Graal


Que queres, Cavaleiro, neste salão oco de desolação? Por que sujas tua branca armadura neste veneno negro, cuspido por serpentes traiçoeiras? Lá te vais, tão altivo, e tua honra poderia ofuscar até mesmo a primeira das estrelas. Com castidade e vigor, meu Cavaleiro, por que procuras por esta relíquia de uma lenda distante? Quem é esta sombra de orgulho, depositório do teu sentimento? Cavalga, Cavaleiro sonhador. Não precisas de moinhos, se tens para ti o próprio dragão, devorador de homens e de almas. Queima teu coração na chama da ilusão, errante piedoso. Por que, meu Cavaleiro, ignoras tua coroa? Preferes o espinho, e rejeitas o belo ouro. Pra que buscar teu calvário, pobre Cavaleiro? Solta a Palma do Mártir, deixa de lado tuas asas de anjo. Ai de ti, ó Cavaleiro, agora que perdeste a mão do teu Virgílio. Que será de ti, nobre Cavaleiro, se tua Beatriz não está aqui para conceder-te um doce beijo da salvação? Tu não mereces, meu Cavaleiro, empreender tamanha epopéia pelos círculos do teu inferno. Derruba o pedestal de tua luxúria. Clama! Clama, Cavaleiro, com a trombeta de Bronze. Ressoa o Oboé, e que tua corneta seja ouvido no mais alto dos Céus. Chora pelos Serafins celestiais, e pede o milagre do esquecimento. Que abençoem, todos os Deuses, tua alma, Cavaleiro, com a pureza da ignorância e do pecado. Vai, meu Cavaleiro, sem medo. Não abandona tua esperança, vós que aqui entra. Fecha teus olhos. Descansa tua alma no sono dos Heróis. Sonha, meu Cavaleiro, para que finalmente possa alcançar a serenidade; Viva! Viva, meu Cavaleiro, para que finalmente possa contemplar este Amor que move o Sol e as mais Estrelas.

domingo, 18 de novembro de 2007

repetição


Nem sob o pó de Morfeu meu descanso é garantido. Tocam, sem fim, os sinos da memória, num badalar estridente e cacofônico, feito o grito desajeitado da decepção. Não há palavra de um bardo ou página de um tomo que me levem ao estado de graça. Minha catarse ajeita-se, distante, num ninho de espinhos inantingível. Pedir pela minha negação é como implorar para que o Sol não nasça, ou que as ondas não se arrebentem numa rocha distante. Nem Vênus, nem Clio ou suas irmãs, nem a mais bela das Esmeraldas me oferecem outra estrada. Meus olhos, sempre abertos, como dois guardiões desajeitados, mais parecem algozes da alma, carrascos tiranos, indecisos entre as torturas oferecidas ao Pária que se prostra nestas janelas. Não tenho capacidade para distinguiar a que se deve a consciência. Clamo ao deuses, em dúvida; uma dádiva, um presente angelical, ou uma cruz, pesada e punitiva? Sequer consigo alterar minhas palavras. Meu pranto se repete, incessantemente. Repete-se, enquanto meus dias parecem retroceder, num caleidoscópio confuso e nauseante. Nenhum detalhe passa desapercebido, nenhum juramento passa sem julgamento, nenhum corpo passa sem meu veneno mordaz. Nada é novo, e nada tem o doce cheiro da curiosidade. Uma consciência quase onipotente; uma grande lente, que tudo sabe e tudo vê. Sem descanso. Exaustiva e fatigante... sem descanso.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Piedade

Refastela-te no auto-engano, criatura infantil. Fecha teus olhos e colhe tuas lágrimas, que ninguém ouve teu murmúrio voluntariamente decrépto. Irradia essa tua aura contaminada, e torna negro o ar do teu sentimento. Faz-te uma alma digna de piedade, se é isso que esperas do caminho. Mutila teu coração, e finja que não sabe onde ele se esconde; torna tua vida esse mar revolto, se aos teus olhos, isso parece o natural caminhar do teu espírito. Pisa nas pedras, flagela teu corpo. Veste a Coroa de Espinhos, ó sagrado mártir da incompreensão. Essa crucificação nada significa. Tua tão inconsolável tristeza não passa de uma ferida no teu orgulho, esse vilão que tanto se achava conhecedor do ideal. A única coisa que te prende à memória escura é tua própria vontade de se manter agarrada num sonho enfastiante, e essa corrente é de tua decisão, tão simples e infantil quando o brado rubro dos teus pulmões; choramingo interminável. Do teu próprio Senhor, és o algoz, cavalo domado.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Panteão


Eu não saberia identificar esta minha escuridão, mesmo que o manto negro de Hécate repousasse sobre mim. Não reconheceria rosto algum diante de meus olhos, ainda que fosse iluminado pelo raio de Apolo. Não sentiria o chão sob meus pés, mesmo que Gaia se prostrasse a meu favor. Não haveria céu sobre minha cabeça, nem caso o próprio Urano segurasse o firmamento com braços fortes. Não tocaria o vento minha face, e seria ineficaz até o mais forte dos sopros de Éolo. De que me adiantaria a fagulha do Caos Primordial, se não tenho a inocência para caminhar sobre o Elísio destinado aos viventes? Nem todo o Olímpo poderia me tirar dessa Stasis natural, presente desde meu primeiro suspiro na realidade consciente. Poderia Hesíodo cantar mil bravuras de Zeus, nada me demoveria da Catarse do pensar. O presente de Prometeu de nada me serviria, e o amor de uma Perséfone a lugar nenhum me levaria. Não desejo o martelo de Hefesto, nem o escudo de Atená. Eros não vence a tudo, nem meu Pan tem uma melodia doce. Não escorre de meu corpo o pessimismo, tão pouco o desejo ou a esperança. Não são meus irmãos Volúptia e Voluptas. Não há nada que mova minhas pernas. Não há outro brilho em meus olhos senão o de um único desejo. Se minha alma arde, queima com apenas uma chama. Lampeja para minha Musa, minha Clio eterna, Dama a quem, sob relíquias sagradas, jurei ser fiel...