sábado, 24 de março de 2007

Cigarro e café


Tudo que ela fazia era exalar aquela fumaça nauseante, enquanto esboçava uma nojenta cara de desdém. Nenhuma das emocionadas palavras que ele soluçava pareciam ter o menor efeito. Era como se ele estivesse vomitando qualquer bobagem sobre a torta de trufas. A cada sílaba vacilante, ele parecia ainda mais patético, e ela soltava mais fumaça, feito uma chaminé de concreto, fria e imponente. Ele vez ou outra, tentava manter um ritmo na conversa, procurando, em algum lugar, o que restou da própria dignidade. Ela encarava, decepcionada. Aqueles olhos verdes não perdoavam; pareciam duas facas esmeralda que perfuravam aos poucos, tornando a ferida ainda mais dolorido. Os cabelos vermelhos faziam o contraste entre os dois. Ela, paciente mas incostante. Ele, complacente mas inseguro. A conversa não passava de um desperdício de palavras. Um gole de café, um copo d'agua, fumaça. Uma confusão de personalidade. A relação sempre foi assim. Pra que tentar encontrar algum sentido? Ele se levanta e sai, na esperança de causar alguma reação inesperada. Ela suspira, aliviada. Toma um gole do café... acende mais um cigarro. Cafés e fumaça. Que bela relação...

quarta-feira, 21 de março de 2007

Desconhecido

E só o que eu posso fazer é derrubar minhas lágrimas pelos ilustres desconhecidos. Nada além de um luto silencioso. Arrependimento por algo que jamais esteve ao meu alcance. Choro por quem não conheço, por quem merece mais do que minhas condolências. Lágrimas para os ilustres desconhecidos.

sábado, 17 de março de 2007

Palavra



Palavra. Ah, meu auto-exílio. Minha fuga consciênte. Escapismo glorioso, cheio de brilho e fantasia. Cada letra, uma máscara. Cada palavra, uma alma. Cada frase, uma vida. Cada ponto, uma expressão. Cada linha, um desejo. Cada tomo, uma forma diferente que tomei, uma personalidade estranha que emprestei. Escondo-me atrás de páginas, e proculo nelas o que não tenho. Procuro aqui e ali, em meio a volumes empoeirados, o que não sou; agora, sou Tristão. Sou Percival. Sou Mordred. Sou Arthur. Aqui está meu graal. Ali minha Guinevere. Minha Isolda... ah, minha Isolda. Quem derá eu pudesse ser um mago de palavras. Artíficie e artísta. Poeta. Quem derá pudesse eu transformar rabiscos em magia, rascunhos em fantasia. Quem derá. Palavra.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Solilóquio


Abram alas para o bufão! Lá vem ele, espalhafatoso e colorido. Surreal e deslocado. Malabarismos com as letras, jogos de palavras saborosas. Uma mordida aqui, acolá, uma plateia satisfeita na sobremesa. Talento, ninguém sabe. Original? ninguém viu. Surreal e Deslocado. Impessoal, impensável, impresente. Qual o nome?... nome de quem? Abram alas, lá vem o bobo da corte. Espalhafatoso e incomodo. Surreal. Deslocado. Que bela figura impossível. Inatingível. Intocavel - Ninguém quer tocar -. Nada por trás da máscara. Nada. Nada. O palco fica vazio. Quem quer ver um último truque? Chega de poesia. Uma dose por dia, e depois, quero pessoas de verdade........ Eu, e meu solilóquio. Surreal e deslocado. O arauto peculiar brincando de filosofar. Agora eu quero minha pessoa de verdade... Sem par. Curinga. Eu e meu solilóquio. Dispenso beleza. Não quero forma. Carta fora do baralho. Sem regras, sem razão. Sem. Eu recito por uma hora. Admiro você com tua pessoa de verdade por outras 23. Curinga. Sem par. Poupo palavras. Poupo, poupo. O espetáculo está acabando. Eu fico com minha cortina. Meu afago artístico. Meu sem par...... abram alas, senhoras e senhores, para o Ministrel. Sem par. Espalhafatoso e incomodo. Surreal. Surreal e deslocado.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Sonho




Desvaneios lúcidos, cores monocromáticas, silêncios estrondosos. Quem contou a piada nefasta? Quem elegeu o caos como o belo, fantasiado desse paradoxo espinhoso? Eu não quero mais saber dessa brincadeira. Quero acender a luz! Ai de mim, nessa escuridão tão clara, nesse clarão tão escuro! Eu não pedi para estar no meio dessa peleja de contrastes... eu não quero estar no olho da antítese; não quero comer as sobras, nem ombrear com amor e ódio. Não quero as rosas, nem quero o sangue...... cansei de admirar tua sombra sinistra. Cansei de ouvir teu canto agourenta, ave negra e metálica. Volta para o teu Estinfale, enquanto eu rezo para que possa experimentar novamente o sabor da tranquilidade. Se algum dia eu disse que tudo era um sonho, agora eu quero acordar. Não foi fácil reconhecer um pesadelo.