sábado, 30 de junho de 2007

Estação


Brotam amores e carícias na primavera, que pintam o céu do azul mais juvenil, sorrindo como uma criança que descobriu sua inocência. O vento não passa de um afago para os amantes, inebriados em sua própria Fortuna; num verão de romances, transpiram juras eternas, transcendentes, anteriores à própria colheita de paixão. O calor da existência, em ambos, os torna apenas um, em unissono, sem vozes ou pensamentos; basta, todavia, que se mudem os ares, e que as árvores voltem ao seu claustro natural, para que cada promessa, tão perene e duradoura, caia como uma folha exausta, de um pé de ilusões. O azul do céu, desbotado, caçoa; o frio boreal, castigo de um choro celeste, pinta o campo idílico de branco indiferente, descolorindo cada traço daquele amor, rubro e pulsante, agora minguado como uma lembrança indesejada. E, triste dessa fraqueza humana. A fome, o desejo, a sede de um beijo... não se pode esperar o degelo. Mal sabem, pobres casais, que já sob o gelo, tímidas promessas se preparam para uma nova primavera...

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Solitude

Vou pra casa, soluçar angústias inaudíveis. Vou embora, apreciar sozinho o cinza indiferente desse céu. Vou lá, sentar-me sem perturbações, ausente de preocupações. O chão frio me fazendo companhia, e não desejo nada mais. Sigo Aristóteles, e transcendo minha própria solidão. Desejada. Assistida. Não existe barulho, somente o belo canto da tranquilidade, e o repetente soar da minha respiração. Sem cheiro ou gosto; austeridade, pairando sobre o ar parado. Tristes raios de sol atravessam janelas velhas, numa apatia contagiante. Vez ou outra, uma folha morta vem dar-me saudações. E mesmo que mil pessoas corressem a minha volta, tumultuando meu sossego, eu continuaria sozinho. Mesmo aqueles que, do alto de suas janelas, contemplam por horas e horas, nada além frio e do concreto, mesmo eles não me fazem companhia. Aqui estou só. Na minha sala, na minha solidão, no mundo. Só meu.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Desperate


É lá, bem no fundo, grita com horror. Prestes a explodir, e eu nem sei bem o que é. E nem quero saber. Não me atrevo a pisar no escuro. Não gosto dessa luz apagada. Sobe pela minha gargante. Queimando e queimando, sem pidade. Não sigo por mim mesmo. Não consigo. E queima... E..................
It's there, right on the depths; screams with horror! Ready to explode, and I don't even know what it is. And I shall not know. And I don't want to know. Don't dare to step into the dark. Don't like these lights shut off. It goes up, up my throat. Burning and burning, no mercy at all. Don't follow for myself. Can't stand on my own. And burns. And burns. I want to get out... I need.

Carta


Escrevo-te, minha donzela, sem saber de teu paradeiro. Seu nome, se um dia o ouvi, já não me lembro. Tua feição me é cara, mas dela, não conheço traço sequer. Irrompem, maculadas pela tinta negra, mil palavras em ode à tua beleza indescritivel e tua tez branca de marfim. Se nunca te vi, se nem sei quem és, de que me importa? Cá está o desejo de tocar, se a mim for permitido, teu rosto corado, como o pecado original. Não te conheço, minha dama, e jamais virei a conhecer. Não desejo, nem na mais solitária das noites, encarcerar este amor num corpo vivente, e nem conceder-te o suspiro de uma mortal. Não temo desilusão alguma, já que assim nasceste comigo, minha bela. Espero, com mil vidas, para encarar estes teus olhos de Vênus, mas sei que não poderei repousar meu afeto sob seus auspícios, mais brilhantes que a alma de Beatriz. Nem Virgílio saberia apontar beleza tão inacessível, e nenhum mundo teria a dignidade de conceber tua formosura. Clamo por teu nome, mas não hei de ouvir tua resposta, já que, impassível, governa meus sonhos com habilidade. E neles habita. És meu vício. E meu vício, noite após noite, é sonhar e sonhar.

domingo, 17 de junho de 2007

Disforme


Escolhendo palavras com cuidado, temendo cada passo dado. O chão é de vidro, escorregadio e árido. São essas paredes que se vão fechando, é esse claustro misantrópico que me cobre, feito um manto de apatia. Imagens cinzas que vão passando e passando... falta brilho nessa trilha que me prende. As algemas, eu mesmo coloquei. Se clamo por liberdade, nada poderia soar mais falso. É seguro aqui dentro, longe desse assustador mundo de afeto. A melodia é lenta, o tempo não passa. Meu invólucro perturbador, de sangue e rosas... Tocam-me, apenas, as sombras do passado. Falo esse dialeto que nunca existiu, com companheiros sem forma e sem ambição, pesados com a própria (in)existência. Sinto saudades do que não vi, nostalgia do que não vivi. Desejo beijar esse sonho platônico, de formas embaçadas e impossíveis. E, debaixo de minha árvore turva e disforme, eu me sento. Rio aos prantos. Olho passar o que não passa, aceno para o que não está ali, converso com o vento que não bate. E, assim, vou caindo na minha própria armadilha.

domingo, 10 de junho de 2007

Refúgio


Se evito o caminho do sentimento, é porque jamais soube lidar com esse fogo do calor humano. Fujo à simples sombra do carinho, enquanto levanto minha fortaleza taciturna. Concedo-me a propriedade da solidão assistida, e me apraz o sabor amargo da indiferença. Por vezes provei um veneno rápido, tão rubro quanto o próprio amor, e ainda esfrego as sequelas do meu antídoto natural. Torno o rosto diante da labareda de emoções, e não me atrevo a tocar nessa chama terrível. Obrigo-me a observar, de longe, o brilho impossível de pedras preciosas tão cobiçadas. Esmeraldas. Rubis. Sáfiras. Jóias esculpidas por Vênus em pessoa, destinadas ao prazer de um qualquer alheio, submisso ao peso do conformismo, preso numa charneca de mediocridade, mas possuidor desse dom da empatia. Minhas mãos não suportam o calor divíno, e não ouso a macular tão virginal beleza. Minhas asas não resistem a tal brilho. E, caverna escura, é lá onde encontro meu refúgio.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Inércia.

Foi-se com o vento, me dizes. Tão rapido soprou a brisa, teus sentimentos tornaram-se poeira. Não foi preciso esforço para que tua memória evaporasse e fosse carregada pelo sopro eterno desse Eólio terrível, disposto a desmoronar castelos em cercos contínuos. E, dissimulado, permaneço impassível. Plácido. Uma máscara de verniz e marfim. Um jazigo de emoções de infância, de carinho, de benevolência. Em danação, nasci um pássaro sem asas. Um viajante, preso ao chão. Um sonhador, atado pelas correntes da própria existência. Se vem o sopro fresco, não posso acompanhar. Chumbado ao solo, nada me resta além de contemplar, com olhos de desapego, as jóias que escapam de minhas mãos. Nem eu mesmo ouço meu próprio lamento, emitido sem vontade, avesso à compaixão. A brisa não me desalgema. Minha inércia é maior que meu próprio ego.