sábado, 15 de dezembro de 2007

Julgamento



Quem condena minha alma, senão minha própria consciência? Não conheço outro juíz, que não os graves olhos encarcerados em minha mente. Se as linguas de fogo ardem minha pele, é porque fui culpado diante da geniosa maré do meu coração. Para cada açoite, um pecado. Cada pecado, um erro que jamais cometi, e uma falha que jamais toquei. Os grilhões são morais, e o crime não passa de uma perspectiva do que não foi, não é e nem será. A esperança, aqui, nega-se com a Providência. "Pecarás", digo a mim mesmo; "Pecarás mesmo que não peque", ouço minha própria voz afirmar. Pelo certo, fico com o errado. É inevitável que eu caia neste enxofre, nessa imundíce reservada aos mais abjetos. Afinal, em minha soberania, descansa minha culpa. Meu paradoxo não passa de uma Minerva às avessas, uma decrépita divindade cega, orgulhosa, juíza e criminosa. Minha balança pende para o lado da espada; justiça, apenas a minha própria, auto-imposta, rigorosa, infalível. Ai desses pensamentos impuros, algozes vorazes, abutres famintos. O chicote que se ergue é feito de verdades e mentiras. A Coroa, um espinho de valores que não quebrei - mas se pensei em quebrá-los, é o suficiente para o cárcere perpétuo. A palmatória me acusa, e dela não duvído. Mesmo que não tenha cometido crime algum, mesmo que não tenho ansiado o mal ou maculado o brilho virginal da virtude, a consciência do dever me persegue. E, neste estado marginal, nesta vilania, encontro a arte. Na dúvida e no incerto; só ali tenho a poesia.

Um comentário:

Anônimo disse...

acho que você está começando a ler minha mente, sabia?

me sinto assim, também. Só de pensar em pecar - na minha concepção de pecado, na sua, na de qualquer um - já chega o castigo...

senti até um frio na barriga quando li a última frase. Está perfeito!


obrigada, sir Galahad, por deixar que eu me embriague dos seus textos...