segunda-feira, 16 de julho de 2007

Brado

Não vejo ninguém, do alto da minha Torre de Marfim. Cercado de brumas, minha voz ecoa distante, para ser ouvida somente pelo vento triste e pelo céu indiferente. Canto poesias e declamos sábias palavras, todas inaudíveis, afastadas da realidade, uma mentira que eu contei e acreditei, para ficar cego ante essa terrível e dissimulada realidade. Se tento alcançar o mundo, tocá-lo, timidamente, com um dedo, uma lufada de ar frio me desencoraja. Pessoas passam e esbarram, inebriadas pelas falácias de um falso profeta qualquer, um ignorante que balbucia absurdos e engana aos pobres diabos, todos eles, encantados com uma mediocridade venenosa, enquanto eu caio na minha armadilha, uma cilada surreal, dolorosa e tentadora. Não existo, não deixo referências. Permaneço ali, estático, estoicamente prostrado entre as regras apolíneas, regentes de uma vida impossível, e o caos dionisíaco, verdadeiro bálsamo para esses ignóbeis fantasmas que rodeiam meu espelho, sujam de ignorância esse fino vidro que me afasta de algo que não conheço, mas que ouço chamarem de vida. Ridículos, fedorentos moribundos, bonecos tolos. Encho-me de cólera por não compartilhar essa juventude, essa infantilidade abençoada que alcança apenas os mais selvagens e impetuosos hérois quotidianos, rasos e ridículos, como só os imbecís conseguem ser. Resta-me, somente, a embreaguez de meus próprios pensamentos, meu axiomas solitários, meu solilóquio virgem, que jamais será violado por um feroz idiota. Fico, sem escolhas, agarrado ao meu abstrato, enciumado, louco, violento, esmerando uma jóia invisível, que jamais, e por ninguém, será desejada.

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