domingo, 2 de dezembro de 2007

diferença

Procurava, certas vezes, encontrar o valor que pode haver na diferença. Intentava, inocentemente, entender a alma do outro, conhecer a motivação que força seus sentimentos, apreciar cada detalhe da vida alheia, como se ela própria fosse minha. Despia-me, por breves segundos, do típico egoísmo de quem tem um coração: era eu, ali, um simples observador, com medo de tocar a paisagem. Naqueles momentos, eu não passava de uma sombra, alguém que preferia ouvir a falar, pensar a agir - eu era apenas um sussurro. O trabalho era fatigante, e o peso do auto-esquecimento difícil de se suportar. E tal era meu protesto, quando após absorver toda a tristeza do mundo, ninguém fazia o mesmo por mim. Eu bebia do poço de fel, sem que ninguém me fizesse companhia. No alto de minha consciência, lá pairava eu, um tolo amargo e constantemente preocupado. Todas as máscaras penduradas em minha parede, todas as fadas prensadas entre as páginas de meus tomos, todas as vozes e brincadeiras, apenas denunciavam que eu era outro, que eu preferia ser outro, preferia sofrer com outras dores, me decepcionar com outros erros, me apaixonar com outros amores. Meu projeto de autruismo e entendimento não passava de um castelo platônico, com espelhos que refletiam experiências não vividas, toques não tocados, beijos não beijados. Com inocência, eu alardeava sofrer com o mal de outro, e sequer percebia que infantilmente virava os olhos para o meu próprio mal, com medo de encara-lo e, finalmente, admitir que este era meu, e só meu. Assim, procurei não mais a dor em outras terras, mas tentei escavar meu próprio espírito, buscando meus tesouros escondidos, minhas vontades encerradas em antigos baús de madeira. Abri os olhos, finalmente. Porém, minha visão foi turvada pela fumaça; não consegui, e nem consigo entender esse complicado jogo da existência. Não sei como tocar a mão de uma dama sem construir uma triste história de amor, nem sei como criar uma amizade sem que imagine fantasmas e situações traiçoeiras. Não sei dar um beijo sem cobrar, com fervor, a mesma covardia que tive ao tocar o espinho: fui ao outro extremo, e num ataque esquizofrênico, cobro agora minha própria sombra, alguém que me observe segundo meu bel prazer, e que sofra o que eu não sofro, e que imagine o que, em minha mente, seria inimaginável - cobro alguém como eu, que pense cada passo dado, e que se enfastie com a auto-responsabilidade. Quanta tolice condensada numa só atitude. Bastaria, talvez, um pouco de ignorância para que eu pudesse, finalmente, sentar em uma cadeira e apreciar, sem metafísica, o ar cheiroso ou o perfume encantador? E, se antes eu era uma sombra que vagava pelos outros, agora me torno uma sombra que vaga por mim mesmo. Contudo, espero. Ainda espero. Ainda espero pelo dia em que, finalmente, darei meus primeiros passos, balbuciarei minhas primeiras palavras e explodirei em emoção com meus primeiros sentimentos. Aguardo, com esperança, o dia em que caminharei com minhas próprias pernas, e abrirei pela primeira vez os olhos, e não mais me preocuparei se atinge ou não essa tão famigerada condição que alguns chamam de esclarecimento.

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