segunda-feira, 18 de junho de 2007

Carta


Escrevo-te, minha donzela, sem saber de teu paradeiro. Seu nome, se um dia o ouvi, já não me lembro. Tua feição me é cara, mas dela, não conheço traço sequer. Irrompem, maculadas pela tinta negra, mil palavras em ode à tua beleza indescritivel e tua tez branca de marfim. Se nunca te vi, se nem sei quem és, de que me importa? Cá está o desejo de tocar, se a mim for permitido, teu rosto corado, como o pecado original. Não te conheço, minha dama, e jamais virei a conhecer. Não desejo, nem na mais solitária das noites, encarcerar este amor num corpo vivente, e nem conceder-te o suspiro de uma mortal. Não temo desilusão alguma, já que assim nasceste comigo, minha bela. Espero, com mil vidas, para encarar estes teus olhos de Vênus, mas sei que não poderei repousar meu afeto sob seus auspícios, mais brilhantes que a alma de Beatriz. Nem Virgílio saberia apontar beleza tão inacessível, e nenhum mundo teria a dignidade de conceber tua formosura. Clamo por teu nome, mas não hei de ouvir tua resposta, já que, impassível, governa meus sonhos com habilidade. E neles habita. És meu vício. E meu vício, noite após noite, é sonhar e sonhar.

Nenhum comentário: